Uma estratégia pouco artística
Intolerabl e Beauty: Portraits of American Mass Consumptio n(2003 - 2005) - Circuit boards #2, New Orleans 2005 by Chris Jordan
A 24 de Março de 2010, o Teatro Fórum de Moura, estrutura artística e cultural alentejana, reagiu à primeira (Jornal Público, 24/3/2010) de uma série de entrevistas da Ministra da Cultura Gabriela Canavilhas,
lançando um comunicado intitulado “Cai a Máscara à Ministra Gabriela” . Essa entrevista de Gabriela Canavilhas teve como pretexto a apresentação dum estudo da empresa Augusto Mateus & Associados sobre “O Sector Cultural e Criativo em Portugal” liderado por Augusto Mateus, O documento foi elaborado, na sequência de uma encomenda do Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Públicas do Ministério da Cultura.
Contrariamente às ”Grandes recomendações (Cultura e Competitividade)” do estudo, não nos parece que o ”desafio central para as políticas públicas de dinamização do SCC"( Sector Cultural e Criativo) se situe mais no ”terreno do contributo da cultura e da criatividade para a renovação e relançamento dos modelos competitivos das empresas” , do que no ”terreno do equilíbrio da cobertura territorial do país em matéria de equipamentos e infra-estruturas de índole cultural”. E quando o documento faz referência a modelos competitivos das ”regiões portuguesas”, a que regiões se refere? Em Portugal Continental não existem Regiões Administrativas. Portanto, näo vale a pena definir um verdadeiro "desafio central" do SCC português, sem nele incluir e preconizar a ”regionalização ” do país (e do SCC por consequência).
O que vivemos, actualmente, é uma profunda desigualdade territorial e um enorme desequílibrio entre a área social e a área económica. De facto, o que as grandes corporações sabem fazer é investir milhões de euros em produtos culturais massificadores de fraca qualidade. A função social das artes e da cultura é decisiva para um desenvolvimento sustentável do território. O ”produto cultural” não pode ser encarado como uma mera ”mercadoria” duma economia capitalista. É muito mais do que isso - é um espaço social de trabalhadores com direitos, é um espaço de liberdade de criação e de expressão e é um espaço onde deve ser garantida a acessibilidade de toda a população aos meios de produção e fruição cultural.
Sem dúvida que ao longo das últimas décadas, os trabalhadores das artes e da cultura criaram estruturas, adquiriram meios de produção próprios, desenvolvendo um trabalho de serviço público descentralizado, na sua grande maioria substituindo-se ao Estado na responsabilidade de assegurar uma política cultural em todo o território nacional.
E o que a Gabriela Canavilhas não pode esquecer é aquilo que está previsto no artigo 78 da Constituição da República Portuguesa (Fruição e criação cultural):
2. Incumbe ao Estado, em colaboração com todos os agentes culturais:
a) Incentivar e assegurar o acesso de todos os cidadãos aos meios e instrumentos de acção cultural, bem como corrigir as assimetrias existentes no país em tal domínio;
b) Apoiar as iniciativas que estimulem a criação individual e colectiva, nas suas múltiplas formas e expressões, e uma maior circulação das obras e dos bens culturais de qualidade;
c) Promover a salvaguarda e a valorização do património cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum;
d) Desenvolver as relações culturais com todos os povos, especialmente os de língua portuguesa, e assegurar a defesa e a promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;
e) Articular a política cultural e as demais políticas sectoriais
A grave crise da dívida pública do estado português constitui uma oportunidade para a classe social dominante acelerar o processo de controle social e cultural. A "destruição criativa" neo-liberal - típica das políticas que têm conduzido ao enfraquecimento e colapso das instituições, segurança social, saúde, educação e cultura - não é mais do que a máscara da destruição do nossa rede social e cultural, a nível local . E para essa actuação "sectorial" o governo central parece já ter uma "artista", apoiada numa estratégia pouco artística.
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