10 anos depois da Revisão Constitucional de 1997 (2/3)
Evolução da reforma PRACE
Hoje, fim de Maio, observando a evolução da fase de implementação, o panorama parece ser o seguinte (relativamente a algumas das vertentes da reforma):
Continue a ler1.Entrada em vigor dos novos sistemas de carreiras, mobilidade e avaliação do desempenho e reorganização das micro-estruturas da Administração Central.
A 27 de Abril de 2007 foram publicadas em “Diário da República” as novas leis orgânicas de 62 serviços de 9 ministérios. No início de Abril já tinham sido aprovadas a totalidade das novas orgânicas das microestruturas (um total de 394 diplomas, decretos regulamentares e portarias), sendo que, nessa altura, 141 já tinham sido publicadas em DR Portanto, essas 141, referentes a 5 ministérios, estavam a iniciar a aplicação das novas leis orgânicas (i.e. , estavam no início de fase de execução)
Verifica-se um atraso na publicação das leis orgânicas dos serviços (micro-estruturas). Apenas o Ministério da Agricultura revelou que vai dispensar cerca de 3000 trabalhadores. No entanto, este processo também está atrasado, devido às providências cautelares que aguardam decisão dos tribunais.
Uma reforma governamental é uma tarefa enorme e complexa, com mudanças pouco rápidas, somente adquiridas por meio de passos sólidos e incrementais, muito bem planeados, pensados e com um programa de longo prazo (com continuidade entre eleições) facilmente compreensível e com sólido apoio popular.
Começa a tornar-se evidente que esta vertente da reforma está num impasse, ou seja, parece começar a transparecer uma certa incapacidade (económica e comunicativa) para a pôr em prática. Ao mesmo tempo cresce a contestação sindical, com uma greve geral marcada para 30 de Maio.
Entretanto, surge mais um sinal de “desaceleração” - a crise desencadeada no município de Lisboa, que levou à marcação de eleições intercalares para a Câmara Municipal, no próximo dia 15 de Julho, provocou alterações na composição do governo central em lugares decisivos para a execução do PRACE. Essas alterações possivelmente deveram-se à necessidade estratégica do partido do governo apresentar um forte candidato a esta eleição de carácter local (só daqui a dois anos se realizarão as eleições para a Assembleia Municipal e outra vez para a Câmara Municipal).
2. Descentralização para os municípios de poderes detidos pela administração central, com os respectivos fundos e com efeitos a partir do Orçamento de Estado de 2008.
Calendarização prevista:Janeiro a Março de 2007: negociações e identificação de recursos a transferir.
Março a Junho: preparação das medidas legislativas e regulamentares para a descentralização de competências.
Outubro: inclusão no Orçamento de Estado de 2008 das competências a transferir e a respectiva dotação de verbas no Fundo Social Municipal.
Ultimamente , o governo central entregou à ANMP , para apreciação, o projecto sobre novo regime jurídico do associativismo municipal e espera vê-lo concluído até ao final da sessão legislativa, em Julho.
Também foi apresentada à ANMP uma proposta de lei sobre o regime jurídico das áreas metropolitanas, tendo esta sido bastante contestada pelas autarquias. O projecto baseia-se nas NUTS, para reorganização do associativismo municipal e determina a extinção das Comunidades Urbanas e das Grandes Áreas Metropolitanas, criadas há quatro anos, no governo de Durão Barroso.
No congresso de Ponta Delgada, em Junho próximo, as autarquias darão a sua última palavra sobre a proposta do executivo. Até lá, entre 23 e 29 de Maio, a ANMP pretende distribuir o documento pelas 308 câmaras municipais. A forma final do documento, que o conselho directivo da ANMP levará a congresso, será apresentada no dia 3 de Junho.
Constata-se, que esta vertente do PRACE apresenta uma evolução mais dinâmica relativamente às outras vertentes da reforma, apesar de ainda se situar na fase de planeamento. De realçar, que a grave situação económica de grande número de autarquias, aponta para a necessidade urgente de realizar um verdadeira reforma ao nível municipal, recorrendo quer a soluções estruturais (amalgamação de municípios ou criação de níveis intermédios), quer a soluções cooperativas (deixando as autoridades locais com responsabilidades funcionais). Se os municípios (e freguesias) não possuem “massa crítica”, deverão estes, com o apoio estatal (ou regional), enveredar pelas soluções anteriores , sendo que o Estado, ao descentralizar, não pode abdicar das suas responsabilidades na garantia de prestação de serviços básicos às populações mais desfavorecidas e isoladas.
3. Fora do âmbito do PRACE, a reforma do sistema eleitoral (Assembleia da República) ainda não começou a ser discutida no Parlamento quando se previa que tal pudesse acontecer no primeiro semestre de 2007.
Recentemente, a 23 de Maio, o maior partido da oposição (PSD), no âmbito da reforma da lei eleitoral da Assembleia da República, apresentou uma proposta que volta a defender a redução do número de deputados na Assembleia da República, de 230 para 181. Necessita duma maioria de 2/3 para a sua aprovação, o que implica um acordo com o partido do governo (PS).
Entretanto, no que diz respeito ao poder local, a actual grave crise económica e política da Câmara Municipal de Lisboa, veio pôr em evidência alguma ineficiência do governo autárquico, que não tendo um sistema presidencial, também não tem um sistema parlamentar. A esta ineficiência governativa irá o povo dar a resposta nas urnas no dia 15 de Julho – é a democracia a tentar solucionar o problema. Acima de tudo, na escolha dum presidente de câmara e equipa de vereadores, importa obedecer a critérios racionais:
1- O carácter e compromisso a longo prazo para com os cidadãos, no cumprimento dum programa eleitoral.
2 - A capacidade técnica e de gestão municipal, tendo em consideração a tendência dos orgãos executivos autárquicos para uma crescente profissionalização, dada a complexidade da gestão autárquica (o papel dos orgãos deliberativos poderá vir a ser maior do que é actualmente).
3 - O programa eleitoral deverá ser claro e facilmente compreensível, com um leque de medidas e reformas a realizar no médio/longo prazo e com objectivos e prazos estabelecidos à partida. Nesse programa, os candidatos devem-se comprometer a resolver os problemas mais graves da cidade: trânsito, transportes públicos, poluição atmosférica, habitação, reabilitação urbana, degradação social, especulação imobiliária e “abandono” da cidade.
A população também deverá ter uma palavra importante a dizer na decisão sobre projectos megalómanos e insustentáveis, que possam vir a afectar a área metropolitana e deve exigir aos autarcas e ao governo central, responsabilização pela prestação de serviços sociais, de saúde e de educação, com qualidade.
A população também deverá ter uma palavra importante a dizer na decisão sobre projectos megalómanos e insustentáveis, que possam vir a afectar a área metropolitana e deve exigir aos autarcas e ao governo central, responsabilização pela prestação de serviços sociais, de saúde e de educação, com qualidade.
Recuando 10 anos : Revisão Constitucional de 1997
A Lei de Revisão Constitucional de 1997, resultado dum acordo PS-PSD (“bloco central”), teve como alterações essenciais as relativas ao sistema eleitoral da Assembleia da República (possibilidade de criação de círculos uninominais), as relativas ao sistema eleitoral das Câmaras Municipais (as Câmaras poderão deixar de ser eleitas directamente) e as relativas ao voto dos não residentes em Portugal para a eleição do Presidente da República. Estas alterações só poderão ser postas em prática, se for aprovada correspondente legislação, com uma maioria de 2/3 de deputados na Assembleia da República.
Estas reformas eleitorais, decisivas para o funcionamento democrático, só farão sentido se os sistemas eleitorais forem concebidos para, simultâneamente, promover a proporcionalidade e oferecer representação geográfica, proporcionando aos vários partidos políticos uma expectativa de poder vencer eleições nacionais e/ou locais (caso contrário, um sistema eleitoral injusto e marginalizador será potenciador de conflitos e tensões sociais).
Outras importantes alterações foram definidas na Revisão Constitucional de 1997. Delas sobressai a criação de um grande obstáculo à regionalização, através da introdução dum referendo nacional obrigatório - não será inconstitucional referendar uma norma constitucional? Fará algum sentido, nas actuais circunstâncias, procurar consenso naquilo que já é praticamente um consenso? Não faz. É simples desperdício de tempo. E perder tempo significa mais atraso económico, significa ficar a marcar passo e ver as distâncias a aumentar relativamente ao nosso referencial. E nem se trata de andar depressa demais. Neste caso, trata-se de estar práticamente imóvel, quando a velocidade necessária teria de ser superior à média europeia.
Paradoxalmente, na altura não foi imposto um dos referendos lógicamente necessário: o referendo ao tratado de Maastricht. O que pode significar que o cenário institucional e político desta última década, foi desenhado (e efectivamente condicionado) por esta revisão da lei fundamental. Abriu-se a porta a uma perda de soberania nacional e fechou-se a porta à descentralização da administração central do Estado. É dentro deste cenário de condicionamentos e possibilidades, que as forças políticas e sociais se irão continuar a movimentar nos próximos tempos.