Covers environment, transportation, urban and regional planning, economic and social issues with a focus on Finland and Portugal.

Thursday, November 30, 2006

Uma organização descentralizada de Estado

O sistema de saúde finlandês é um dos mais descentralizados da Europa, constituindo as despesas de saúde 7,4% do PIB (a média da OCDE é de 8,8 %) e apresentando uma despesa de saúde per capita das mais baixas da UE (2118 USD/ano, sendo a média da OCDE de 2394), sendo que perto de 75% dos finlandeses consideram estar globalmente satisfeitos com o seu sistema nacional de saúde, o que é notável.[11]

Continue a lerOs municípios (kunnat) são o centro do sistema, largamente público, no qual o sector privado tem actualmente pouca relevância (só 4% dos médicos finlandeses têm uma actividade exclusivamente privada) e o Estado tem pouca intervenção, balizando objectivos e linha de orientação.

Os 431 munícipios (em 2006), de tamanho muito variável, desde centenas de habitantes a milhões de habitantes, são responsáveis pela oferta de serviços sociais e serviços de saúde aos residentes e cobram impostos para cobrir os custos referentes ao sistema. Os municípios contribuem com aprox. 44 % das despesas (14,8 biliões de euros, 48% do total, é a despesa do sector municipal em saúde e assistência social, est. 2005), o Estado com 17% e o sistema de segurança social com 16%. Esta responsabilidade municipal não é de agora. Existe desde 1972, com o ”Primary Health Care Act”[12]. Um aspecto interessante do sistema finlandês é a grande liberdade que os municípios possuem para se agruparem e organizarem com a finalidade de oferecer serviços comuns.

Na Finlândia, a nível dos cuidados de saúde primários, existem 270 centros de saúde, que podem ser comuns a vários municípios. Os cuidados de saúde secundários e terciários são prestados pelos hospitais - 5 hospitais universitários, 15 hospitais centrais e 40 hospitais de distritos, de menor dimensão. Todos eles são públicos, sendo detidos pelos 21 “distritos hospitalares”, que são reagrupamentos de municípios. Um aspecto importante consiste na aplicação cada vez mais vasta de NTIC[13] no sistema de saúde – os médicos dos hospitais e dos centros de saúde comunicam amplamente por meios electrónicos e os dossiers dos pacientes estão informatizados nos sectores mais avançados.

Sintetizando, pode-se afirmar que o sistema de saúde finlandês é bastante eficaz, apesar de dificuldades ligadas à falta de médicos em certas especialidades e aos aspectos geográficos do país. As causas desta eficiência devem-se à combinação de vários factores: promoção e prevenção da saúde; alta participação dos utentes na despesa, sem seguros privados ou mutualistas; organização descentralizada que associa impostos locais a cuidados de sáude locais, versatilidade das carreiras e da organização interna hospitalar.

No entanto, sentem-se cada vez mais desigualdades entre habitantes de diferentes municípios, devido a uma má repartição geográfica de médicos (que gera disparidades na prestação de cuidados de saúde) e a certos problemas relacionados com o financiamento descentralizado. O Norte continua a ter dificuldades para atrair jovens médicos, apesar dos incentivos materiais que recebe. Alguns municípios têm cada vez mais dificuldades de financiamento de todos os cuidados de saúde necessários à população residente, principalmente os pequenos municípios (75% dos municípios têm menos de 10000 habitantes e 20% menos de 2000). Questões eleitorais fazem hesitar os responsáveis locais no aumento dos descontos à população, fazendo com que os municípios tendam a reagrupar-se para resolver os problemas financeiros, mesmo que a administração central lhes atribua subvenções complementares (a relação de despesas de saúde entre municípios varia entre 1,5 a 2,5).

Outro problema que afecta os pequenos municípios reside nas dificuldades de negociação de preços associados aos serviços de saúde. A concorrência faz-se em prejuízo dos municípios de menor dimensão, visto que uma reforma em 1993 permitiu uma política activa de aquisição de serviços de saúde por parte dos municípios. Na realidade, as negociações são feitas entre municípios e distritos hospitalares, ficando os pequenos municípios a pagar um preço, sem saber qual o custo real dos seus residentes para o hospital. Isto resulta em grande variação de contribuições entre municípios pertencentes a um mesmo distrito hospitalar.

Mas o maior problema, directamente sentido pelos finlandeses, é o atraso no acesso aos cuidados de saúde, devido à falta de médicos. As razões que estão por detrás das “listas de espera” residem nessa falta de médicos, mas também nas dificuldades de financiamento e na falta de instalações.

Em 1993, aquando da recessão económica, foi decidida uma redução no “numerus clausus” dos médicos, com consequente carência destes profissionais nos anos seguintes. Há cerca de 3 anos o “numerus clausus” foi reajustado, mas óbviamente ainda não se sentem os efeitos dessa medida.

As reformas e ajustamentos no sistema de saúde finlandês são frequentes tal como nos outros sectores económicos. Essa disponibilidade para mudar o que não funciona e aperfeiçoar aquilo que funciona, num sistema de avaliação permanente, faz-se também com o valioso apoio das agências independentes, que detêm as estatísticas, avaliam necessidades e analisam resultados e também pela negociação permanente, que permite um adaptação períódica do sistema, geralmente em base anual.

Actualmente, a reforma em discussão consiste na questão local dos reagrupamentos de munícipios e de centros de saúde, no sentido de tornar mais eficaz o sistema – será que o reagrupamento de alguns municípios induzirá uma dimensão optimizada e uma maior força financeira?

No que diz respeito à Educação, considerado internacionalmente um sistema de alta qualidade, também este é público, universal e gratuito, estando a prestação da escolaridade (pré-escolar, básica e secundária) a cargo dos munícipios e sendo a presença do sector privado muito baixa, comparativamente aos outros países europeus (7,3 biliões de euros, 24% do total, é a despesa do sector municipal em educação e cultura, est. 2005)[14].

[4. Uma organização descentralizada de Estado - "Finlândia: Municípios e Descentralização"]

Luís Alves

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[11] Alain Lefebre, Le système de santé finlandais, societesnordiques
[12] Primary Health Care Act (66/1972), www.finlex.fi
[13] Novas Tecnologias de Informação e Comunicação.
[14] O orçamento total do sector municipal é aprox. 32 biliões de euros, com 430 000 funcionários, http://www.kunnat.net

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Tuesday, November 28, 2006

A sobrevivência do sistema de saúde e assistência social finlandesa durante a depressão económica dos anos 90

A sobrevivência do sistema de saúde e assistência social finlandesa durante a depressão económica dos anos 90 [10]
A depressão económica dos anos 90 teve efeitos na procura de cuidados de saúde e serviços sociais. Ao mesmo tempo, os municípios, que eram responsáveis pela oferta desses serviços, experimentaram várias dificuldades económicas e tiveram de fazer opções para enfrentá-las.A extensiva oferta pública de cuidados de saúde e serviços de assistência social é uma das características do sistema de Providência finlandês (e nórdico).

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Os municípios têm a principal responsabilidade pela oferta desses serviços, mas o Estado subsidia-os, tendo em conta a sua estrutura demográfica e a sua posição económica global. Mesmo assim, verificaram-se muitas variações entre municípios, no que diz respeito a soluções locais de oferta de serviços, variações essas relacionadas com a profundidade e a extensão da depressão económica em cada um deles. A adaptação do sistema de serviços à crise teve um impacto de longo prazo nos fundamentos da política de oferta de serviços e no sistema de Providência, da qual os serviços são uma parte importante.

Nos próximos posts serão tratados o sistema de saúde finlandês e as reformas na Investigação e no Ensino Superior.

[3. A sobrevivência do sistema de saúde e assistência social finlandesa durante a depressão económica dos anos 90 - "Finlândia: Municípios e Descentralização"]

Luís Alves
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[10] Simpura, Blomster, Heikkilä, Häkkinen, Kautto, Keskimäki, Lehto, Rastas, Rissanen, Valtonen, Kiander (ed.), Kalela (ed.), Kivikuru (ed.), Loikkanen (ed.), Simpura (ed.), The Survival of the Finnish Health Care and Social Service System During the Economic Depression of the 1990’s, “Down from the heavens, Up from the ashes - The Finish economic crisis of the 1990’s in the light of economic and social research”, Valtion Taloudellinen Tutkimuskeskus (Government Institut for Economic Research) Helsinki 2001, pag. 130-167

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A crise económica dos anos 90 na Finlândia

A crise económica dos anos 90 na Finlândia [7]
A crise económica finlandesa dos anos 90 foi muito severa. O decréscimo do PIB real entre 90-93 foi cerca de 14 %, quatro vezes superior ao do colapso da Grande Depressão dos anos 30. A taxa de desemprego subiu de 3% em 1990 para quase 20% no início de 1994. A depressão provocou, por vários anos, uma baixa considerável do nível de vida dos finlandeses, conduzindo à falência de empresas e a uma crise bancária de larga escala, tendo por fim criado graves problemas às finanças públicas, pondo mesmo em causa o Estado-Providência[8] finlandês.

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A Finlândia caiu do “paraíso”, do “boom” económico dos anos 80, no auge da versão finlandesa do Estado-Providência. A partir de 1994 a Finlândia começou a recuperar da recessão, mas o país não voltou a ser mais o mesmo de 1990, agora com dois novos problemas: um desemprego persistente e um agravamento das desigualdades sociais.

Nos anos 80, o país era conhecido como um dos países ricos nórdicos, com um avançado sistema de segurança social e um mercado de trabalho corporativo. Finlândia, Suécia, Noruega, Áustria e Suíça pareciam estar imunes à subida do desemprego e aos problemas sociais daí advidos, nos países da Europa Ocidental. No entanto, a partir do fim dos anos 80, todos os países nórdicos viriam a enfrentar crises económicas, sendo a finlandesa a mais grave.

Mas quais as principais causas dessa profunda recessão? “má gestão bancária, má sorte, má política”. No que diz respeito ao factor “sorte”, há duas importantes causas a salientar: a queda da URSS, com importantes consequências político-económicas e consequente queda nas exportações; a entrada na UE, com as respectivas políticas económicas em preparação desde o início dos anos 80. Outros dois factores podem explicar a severidade da crise finlandesa. Tal como outros países, antes da crise a Finlândia tinha um sistema de taxa de câmbio fixa e uma moeda[9] sobrevalorizada, resultado duma taxa de inflação alta, maior do que no núcleo de países do Sistema Monetário Europeu; a inflação e a sobrevalorização da moeda tiveram como causa a expansão do crédito bancário e a desregulação do mercado de capitais na segunda metade dos anos 80. Os mercados de capitais finlandeses estavam desregulados na altura, aumentando assim a oferta de crédito, provocando o incremento da dívida do sector privado, da procura interna e dos activos e conduzindo ao agravamento do défice de conta corrente da balança de pagamentos.

[2. A crise económica dos anos 90 na Finlândia - "Finlândia: Municípios e Descentralização"]

Luís Alves
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[7] Seppo Honkapohja e Erkki Koskela, Kiander (ed.), Kalela (ed.), Kivikuru (ed.), Loikkanen (ed.), Simpura (ed.), The Economic Crisis of the 1990’s in Finland, "Down from the heavens, Up from the ashes - The Finish economic crisis of the 1990’s in the light of economic and social research", Valtion Taloudellinen Tutkimuskeskus (Government Institut for Economic Research) Helsinki 2001, pag. 52-101
[8] Normalmente designado por Nordic Welfare State, em inglês.
[9] A markka (finlandês) ou mark (sueco) foi a moeda da Finlândia desde 1860 até 28 de Fevereiro de 2002, quando foi substituída pelo euro.

Publicado em Ovi Magazine

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Wednesday, November 22, 2006

Introdução (Finlândia: Municípios e Descentralização)

A crise económica portuguesa teve início no ano de 2002. Apesar da ténue recuperação ocorrida a partir de 2004, o crescimento da economia portuguesa tem-se mantido por valores insuficientes para uma efectiva recuperação. Desde essa data têm-se multiplicado debates sobre modelos económicos europeus de sucesso, com merecido destaque para o fenómeno da recuperação e “milagre” finlandês[1].

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O sucesso económico finlandês não tem sido atribuído apenas ao indicador do crescimento do PIB, mas a um largo espectro de factores de competitividade[2] – desempenho económico, eficiência governamental, eficiência empresarial e infraestruturas – que globalmente terão potenciado o seu modelo económico, transformando-o num dos mais competitivos do mundo.

A transformação dum complexo industrial desactualizado no maior produtor mundial de telemóveis, foi decisiva para o rápido crescimento de produtividade verificado nos anos 90.

A crise finlandesa activou um período de “destruição criativa”, um período de ajustamentos e reformas, relacionados com os avanços de carácter tecnológico e a realização de investimentos a longo prazo em inovação tecnológica, mas também com o aumento de competitividade gerado pela depreciação monetária de 1992.

A Finlândia é um dos Estados-Providência europeus com um extenso sector público e um mercado de trabalho corporativo. No princípio dos anos 90, fizeram-se tentativas de reformas radicais dessas instituições, mas o fraco suporte eleitoral não o permitiu, tendo sido possível a sobrevivência do Estado-Providência e das instituições de carácter corporativo. Posteriormente, enveredou-se por uma via de maior consenso político e por reformas de carácter incremental.

“Nas eleições parlamentares de 1995, o partido de Centro sofreu uma ampla derrota, e o presidente do Partido Social Democrata (Suomen Sosialidemokraattinen Puolue), Paavo Lipponen, liderou o seu primeiro governo baseado nos social-democratas e nos conservadores da Coligação Nacional (Kansallinen Kokoomus). A União de Esquerda (Vasemmistoliitto), os Verdes (Vihreä liitto) e o partido do Povo Sueco (Ruotsalainen kansanpuolue) completaram o gabinete ministerial. O "governo arco-íris" de Lipponen durou toda a legislatura. As suas principais tarefas foram adaptar o país às estruturas da União Europeia, reverter o curso descendente do crescimento económico e reduzir o desemprego.“ [3] [trad.]

Actualmente, o maior desafio, tal como nos outros países da Europa Ocidental, consiste no problema do envelhecimento populacional, que conduzirá a importantes alterações demográficas com implicações na redução da oferta de trabalho. A taxa de desemprego[4] em 2005 era de 8,4% (220 mil desempregados). No entanto, o desemprego afecta de forma desigual as diferentes parte do território finlandês. Recentemente, foi feita uma previsão que aponta para uma escassez de trabalho em 2010, na Finlândia Oriental, e para que algumas das regiões ocidentais e setentrionais não sejam afectadas até à década seguinte[5] .

Os factores de competitividade já referidos, são indicadores que revelam mais as consequências do que as causas de desenvolvimento dum país. A abordagem será feita com base no “sistema” no qual se movem os “actores” económico-sociais: a organização administrativa e política existente no país, profundamente ligada à eficiência governativa e às infraestruturas existentes (básicas, tecnológicas, científicas, saúde, ambiente e educação), que conduziu a um um sistema de governação dos mais descentralizados da Europa.

Até meados dos anos 90, a percepção comum sobre a Finlândia era a de um longínquo e gélido país, ambientalmente avançado, mas com pouca abertura cultural externa, condicionado por uma localização geográfica “sensível” , na proximidade da superpotência comunista URSS. Nos anos 70, o “país dos 1000 lagos” e das florestas era considerado um “paraíso verde” despoluído, cujos habitantes viviam dum modo simples, privilegiando o contacto com a natureza. Não admira que ,então, se tenha tornado em pólo de atracção para muitos turistas originários da Europa Central.

A queda da URSS (e também a entrada na UE) veio abrir decisivamente a Finlândia ao mundo exterior, tanto no aspecto económico como no campo cultural e artístico. Talvez para surpresa de muitos finlandeses, o espectacular sucesso da indústria finlandesa do sector das tecnologias de informação e comunicações, que se revela globalmente na imagem da marca internacional “Nokia”, com vendas de 34,191 biliões de euros em 2005 ( a Nokia Corporation, criada em 1967, fabricava desde pneus e calçado até televisões e computadores), começa actualmente a ser acompanhado por uma exportação cultural musical suportada por um crescente número de “fans”, a maioria ávidos utilizadores da rede global Internet[6] .

Posteriormente far-se-á uma breve descrição da crise finlandesa de 90-93, tendo como como base dois relatórios de carácter económico-social, mantendo sempre como pano fundo o papel dos municípios finlandeses (fin: suomen kunnat) e a organização profundamente descentralizada desta nação escandinava.

[1. Introdução - "Finlândia: Municípios e Descentralização"]

Luís Alves
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[1] Jaakko Kiander (2004), The evolution of finnish model in 1990s: from depression to high-tech boom, VATT discussion papers 344, Valtion Taloudellinen Tutkimuskeskus (Government Institut for Economic Research) Helsinki 2004
[2] World Competitiveness Scoreboard (IMD - World Competitiveness Center,World Competitiveness Scoreboard
[3]Seppo Zetterberg ,Universidade de Jyväskylä, Resenha da história finlandesa, virtual.finland.fi, Ministry for Foreign Affairs of Finland [traduzido]
[4] Labour Market Statistics,www.stat.fi
[5] Labour shortage will first hit ageing Eastern Finland,www.hs.fi/english
[6] Miska Rantanen,A new breed of Finland fanatics - Music exports are attracting a small but dedicated bunch of Suomi enthusiasts on the Internet message boards, 29 de Outubro de 2006,www.hs.fi/english

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Tema inicial

Durante as próximas semanas, serão progressivamente publicadas as várias partes do artigo "Finlândia: Municípios e Descentralização", onde são abordados vários aspectos, tais como:
a crise económica finlandesa de 90-93 e as suas causas;
a recuperação económica finlandesa e os factores que a potenciaram, bem como a forma como sobreviveram os sistemas de saúde, assistência social e educação;
dados históricos acerca da sua democracia parlamentar;
a divisão administrativa e política do Estado finlandês (e do Estado português), com especial destaque para o papel dos municípios finlandeses;
a problemática da descentralização/regionalização e comparações com Portugal.

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